segunda-feira, 28 de junho de 2010

Inerte

A noite permanece fria, inicio de inverno. As mãos cobertas por luvas. Os fios entrelaçados que formam a peça prendem sua atenção. Inerte. O pacífico enevoa, jorra, dentro de você, seca sua garganta. Gélido. Pedras de gelo ferem a carne já sensível. Despedaça. Tão forte, tão vivo. Palpita. Fraco.

- Aconteceu alguma coisa?

A porta está a sua frente, a chave em suas mãos. Fechada, mas não trancada. Trancar? Um passo, uma decisão. Medo. Seguir, voltar, parar. Pra onde ir? O que fazer? Decidir. Dor. Dói? Palavras ferem, marcam, fazem sangrar. As minhas lhe feriram, as suas me feriram. Estamos quites? Não.

- Tenho que me matar.

E você se vê sem saber o que fazer. Mais fria do que o frio que te cerca. O meio termo, a indecisão. Sempre odiou isso. Nem sim, nem não, nem talvez. Nem pouco, nem muito, nem nada. Impossível viver assim. Inerte.

- O que?!

E agora? Da onde vem esse desejo insano de explorar o desconhecido? De agarrar o corpo sem rosto? De amar um ser sem rumo? Lembranças... O passado se apaga com o tempo, sendo bom ou ruim, se vai. O presente é incomodo. Pacato demais, previsível demais, simples demais...

- Estou com vontade de falar com ele.

O futuro... Ah, o futuro! Maravilhosamente imprevisível, complexo, belo. Da onde vem essa corda que lhe puxa em direção ao nada? E essa mão? Pertence a um braço inútil e inóspito? E esse sorriso nessa face sem nome?

- O amor de vocês é lindo.

Essa coisa forte que embaça sua visão, qual é o nome? Prefere não dizer? Que diferença faz? Ela faz você agir de forma impensada, atrapalha seus pensamentos e ações, ignora sua razão. Ainda dói?

- Não é pra tanto.

Dói porque se importa demais, se entrega demais, ama... Ama demais?

domingo, 27 de junho de 2010

Cristal

As lagrimas caiam finas e frias. Uma seguindo a outra, dolorosamente lentas. Com certeza é um sentimento novo que você está experimentando. Sabia o que isso causaria. Devia ter se afastado quando começou a se importar. Tarde demais.

- Casamento? Eu sou casado. Isso é ridículo.

Sim, é. É ridículo se expor dessa forma a ele. É humilhante. Dizer o que sente? Que bobagem! Quem foi que disse essa tolice? Por quê? Pra quê? É tão mais fácil ser você sem que o outro saiba quem é. Muito mais seguro.

- Você quer terminar? Tudo bem, se é o que quer.

Aceitação. Fria, como a noite em que se viu só, como as lagrimas que continuam molhando seu rosto, como o vazio que se fez presente. De inicio a vitória de ter conseguido o afastamento. Ele estando longe não corria o risco de se machucar mais.

Depois o desespero de não tê-lo de forma alguma. Dependência, cruel dependência. Então você percebe que ele é uma droga que lhe consome pouco a pouco. Maldito! É pior assim, é pior sem ele.

- Você já sabia no que isso ia dar.

“Ia dar”. Passado. Falar no passado não te ajuda a reerguer. É doloroso imaginar que não pode mais ser. Tudo bem, sim, tudo bem. Você pode aceitar isso. Para todo vicio há uma cura. Mesmo que sofra abstinência, se curaria.

- Você decide: podemos continuar sendo amantes e esquecer o que você começou, ou dar um fim a tudo.

O maldito sorriso estava lá, acompanhando cada maldita palavra. Sim, é sua culpa. Você começou. Começou quando resolveu dizer o que sente. Tudo bem, você pode conviver com isso. Pode errar uma vez, nunca uma segunda.

- Como se sente agora?

Como se sente agora? Do mesmo jeito. As lagrimas continuam a rolar, a dor permanece no mesmo lugar. Chorar pela simples possibilidade de perdê-lo... Patético, sim, muito patético. No que havia se tornado? Quem era essa pessoa? Não é você. Não, não pode ser.

- Não da pra piorar.

Essa é você. Sincera, objetiva. Chega desse lado sentimental, você não é assim. Você não diz essas coisas. Você não pede atenção. Você não anseia pessoas. Você é quem é, não importa quem os outros sejam. Volte a ser.

- Seria pior se deixássemos de nos ver.

Tolo, bem se vê que não conhece você. Você não se deixa humilhar. É você quem segura as rédeas, quem guia e escolhe a direção. Não, não esta tudo bem. Desde o momento em que experimentou dessa droga.

- Convencido, obrigada por me lembrar.

Aos poucos o organismo se acostuma a não ter mais a toxina. E assim você fará com ele. Porque ele não é nada além de uma toxina, uma toxina maldita, que está impregnada no seu corpo, que corre nas suas veias, que nubla sua mente e faz você esquecer quem é.

- Desculpa.

Não, não há como fazê-lo. Toda mulher sabe ser cruel. Deliciar-se-á com cada momento, cada agulha que lhe ferir a carne, sutil e dolorosa. Até ficar totalmente inerte a ele. É possível manter-se frigida. Provavelmente não faz diferença nenhuma a ele.

- Você está nervosa?

Só mais um desconhecido que passou por sua vida. Convença-se disso. Há tantos outros e ão de vir mais. Você pode aceitar e conviver com quase tudo. Não vai morrer por isso, por tão pouco, não vai desabar. Já houve coisas piores, sentimentos mais fortes.

- Não. Triste talvez.

Um cristal, um cristal quebrado. Não se pode consertar, não há como ignorar a rachadura. É uma peça perdida. Um mínimo toque agravará a situação. Apenas jogue-o fora. Esqueça e suma. Como sempre faz.

- Por que estaria?

Boa pergunta. Por que estaria? Não deveria. Vamos! Desde quando não tem respostas para perguntas sobre o que sente? Essa você sabe a resposta. Desde aquele dia, fatídico dia, para não dizer maldito dia.

- Nada que você seja capaz de entender.

Assunto encerrado. Nunca imaginou que pudesse ser tão direta, friamente direta, não com ele. Ele é esperto. Sabe o que significa assunto encerado. Não seria sensato entrar num campo minado. O que ele não sabe é que você por inteira é um campo minado.

- Me senti estranho quando disse aquilo, sobre terminar.

Claro que sim. Imagino o que sentiu. Revolta. Cada palavra sua fora carregada de revolta, ironia. Foram venenosas em cada letra. Não pode culpá-lo, não. A culpa foi sua. Sua culpa se importar com isso, sua culpa sentir a dor de cada picada, sua culpa se deixar atingir. Apenas sua culpa.

- Apenas disse o que sentia. Não se preocupe, não cometo o mesmo erro duas vezes.

Chega de meias palavras. Por fim, você só está magoada. Mas passa.

sábado, 26 de junho de 2010

Olhos

A caverna parecia cada vez mais escura, mais assustadora. A umidade das paredes deixa sua pele molhada. Não, não é suor provocado pela tensão, é a água escura das paredes que escorre e estão cada vez mais perto. As paredes rochosas se fecham cada vez mais e você está entre elas.

Você sente um olhar, sabe que estão te observando. Há ódio nele, magoa. Uma magoa que estranhamente você pode sentir, e é familiar. E de repente uma mão te toca o ombro. Você não grita, seu corpo paralisa. Medo, pavor. Quem poderia ser? Quem estaria ali?

A mão é grande e o toque pesado. A respiração é forte, a pessoa mais alta. O silencio impera em meio a escuridão. Os sons ouvidos são as gotas que caem tenebrosamente calmas, no chão, formando possas; E os ruídos feitos pelos ratos que tentam desesperadamente fugir desse lugar, dessa prisão, tal como você.

E mais uma vez você se pergunta quem poderia está ali. Mas... Onde era ali? Então milhões de questões fazem sua mente voltar a ativa. O celebro procura uma resposta, mas tudo o que tem são perguntas. Cada vez mais perguntas se formam. Perguntas e mais perguntas.

Que lugar é esse? Você se apressa a averiguar. É uma caverna, sim. Paredes grandes e grossas. Escuras, cobertas de musgo. Água escorre pelas rochas. Vem do teto. Você avista rachaduras e gotas grossas vindo delas. O que faço num lugar como esse? Oh, como você gostaria de saber!

O que poderia está fazendo ali? Trabalhando? Talvez estivesse ali para pesquisar algo. Parecia-lhe bem pensar assim. Isso até se perguntar por que não sabia no que trabalhava. Piorou ao se perguntar seu próprio nome. Afinal quem sou eu? Seus lábios quase se movem tamanho o seu desespero.

Quase é capaz de perguntar a si mesmo quem é. Os dedos sobre seu ombro afrouxam e você lembra que não está só ali. Que há alguém, alguém que pode saber quem você é e o que faz ali. Talvez seja ajuda. Talvez tenha vindo lhe buscar para voltar a realidade.

E você se vira bem devagar. O local é escuro, mas você consegue enxergar. Não perfeitamente, mas o suficiente para não cair, bater ou tropeçar em nada. Seus olhos encontram azuis cristalinos. Tão puros que quase eram transparentes, cinzentos, quase se podia ver a alma.

Você pisca e sente o sol no rosto. Imagens turvas do rosto da pessoa quicam em sua mente. Você abre os olhos e se depara com um teto branco com uma fotografia de um céu lívido, sem nuvens e de um azul tão profundo quanto o dos olhos daquela pessoa. Você suspira e se senta na cama. Olha ao redor, as paredes brancas, o piso branco, os lençóis brancos, as cortinas brancas... Sem cor, sem definição.

- Quem você quer ser hoje?

Pergunta um homem todo de branco, com um logotipo vermelho desenhado no bolso do jaleco, que adentrou o local seguido por outro homem muito arrumado com um terno escuro e face inexpressiva. Um terceiro homem apareceu atrás dos dois, era baixo e carregava um caderno largo, de capa preta.

- Temos boas opções hoje. _ O de terno disse sem alterar a falta de expressão.

O caderno foi posto em seu colo e você o abriu. Parecia um portfólio. Uma foto e um texto abaixo. Folheou sem vontade até avistar um par de olhos azuis. Aqueles olhos. O homem de terno olhou de esgueira para a foto e antes que você pudesse ler o texto o caderno havia sido retirado de suas mãos.

- Bela escolha. _ Ele disse se afastando com o caderno.

- Vamos começar a preparar as coisas. _ Sorriu o homem de branco e se retirou da sala também.

- Aposto que se sairá bem. _ Se pronunciou pela primeira vez o homem mais baixo. – Como todas as outras vezes. _ Completou num tom diferente.

E você se viu só, novamente. Novamente naquele lugar branco, sem vida. Não por muito tempo, apenas o suficiente para você dar mais uma olhada na imagem do teto. E então diversas pessoas invadem a sala apressadas. Andam de um lado para o outro. Carregam aparelhos, papeis, agulhas... Tudo escurece.

- Oi? Você está me ouvindo?

- Sim, claro. _ Lhe pareceu sensato dizer.

- Lindos olhos, não?

Você se viu a frente de uma grande pintura. Os olhos estavam lá. Rodeados por um rosto delineado, e uma bela moldura de marfim. As paredes escuras possuíam um belo papel de parede. Os moveis bem desenhados, rústicos. Todos os detalhes eram belos, todos sem exceção.

Uma bela casa concluiu. O que fazia ali era o que queria saber, mas não mais do que como tinha chegado ali. Voltou sua atenção a pessoa ao seu lado. Por mais que fixasse seus olhos nela não conseguia descrevê-la, era como se não a registrasse. A cabeça latejou e você desistiu, não era importante.

- Sim, são muito bonitos. _ Você responde com sinceridade.

- Poderá olhá-los mais de perto hoje.

- Hum? _ Você virou na direção contraria a pintura, na direção do som.

- Serei sua companhia essa noite.

Os olhos... Estavam a sua frente.